terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Também fui praxada...

Fonte: http://coresectorcommunique.blogspot.pt/
2012/07/10-most-famous-hazing-cases-to-land-in.html
Nem sei bem como abordar este tópico. As praxes existem desde há uns largos anos, só que raramente são tema de comunicação social...ou melhor, só são tema de noticias quando algo corre mal, quando infelizmente há vítimas.

Não me compete a mim, tecer comentários sobre o que possa ou não ter ocorrido no Meco, só lamento é a perda dos jovens, o sofrimento das famílias e a angustia da incerteza.

Praxe! É uma palavra associada a situações com contornos negativos. Apesar de actualmente já fazerem praxes no ingresso em determinados anos lectivos, a praxe sempre foi associada ao Ensino Superior.

Ainda me lembro do primeiro momento em que me praxaram. Estava esta então teen de 17 anos, a correr com o dedo as listagens de Acesso ao Ensino Superior, afixadas na Universidade de Lisboa, começo eu no...A....B....C...Cr...e, zás, para gáudio de meus pais - que fizeram a festa primeiro que eu - 'ENTRASTE, ó filha, ENTRASTE!!'

Ainda eu estava digerir o que me estava a acontecer...com uma cara estupidificada, oiço uma rapariga que se vira para mim e quer confirmar: Entraste, foi?. Eu, apenas anui com a cabeça, sem uma única palavra ter proferido....'Então PARABÉNS mas, espera aí...' E começou a garatarujar na minha testa e rosto...logo ali à frente dos meus progenitores que sorriam! 

(Ainda guardo afectuosamente as minhas fotografias dos primeiros garatujos)

Já no metro, a caminho de casa, vejo vários jovens rabiscados. Todos nós sorriamos. Tínhamos entrado num novo 'Clube' - O Ensino Superior! Íamos ter a possibilidade de tirar um curso. O 'nosso' esforço tinha compensado...Alguns, já naquela época, não tiveram a mesma sorte...foram forçados a questionar primeiro: Ó Pai, o que posso ser quando for Grande?

No meu caso, aos 17 anos, implicou a deslocação para mais de 200 Kms da minha zona de conforto, sem conhecer ninguém. Desde o momento que me inscrevi até ao dia do Julgamento, fui praxada. O primeiro Veterano que me praxou virou meu Padrinho de Curso e ainda hoje -muito ocasionalmente- nos vemos e falamos. Este ano farão 20 anos.

Não sou contra as praxes, não sou! Tudo depende de quem faz, o que faz e como faz.

Foi nos primeiros dias, no meio das praxes, que conheci os meus colegas de curso - éramos todos caloiros mas agrupados por cursos.

Ao longo desse mês e meio de praxes de dia e que incentivavam que também fossem à noite, andei descalça (só com meias), andei de joelhos, gritaram-me, fui 'escrita', fui rabiscada com símbolos fálicos, andei a fugir dos veteranos, andei com letreiros e rodelas de árvores penduradas ao pescoço, comi nabos crús (fiquei a gostar!), comi cebolas, andei a rebolar na lama (banho mesmo!), levei com farinha, levei com ovos, gritei a plenos pulmões para a caloirada toda as instruções de como se coloca um preservativo, beijei o focinho de um porco (daqueles do talho!), passei pela criolina (aquele smell perdurou durante semanas na pele)....No meio de tanta praxarada sempre senti que me respeitavam. Gritarem-me: CALOIRA NÃO PENSA, CALOIRA É BURRA!...não me fez chorar, não me fez revoltar, não me fez sentir uma necessidade desenfreada de ser aceite.

Hoje, passados praticamente 20 anos, quando contei algumas destas cenas aos meus pais, acharam que a maioria das coisas eram uma estupidez...

FONTE: http://3.bp.blogspot.com
Claro que, nem tudo foram rosas para todos os caloir@s...Tive colegas que foram - literalmente- raptadas para casa de Bichos (alunos de 2º ano) e obrigaram-nas a fazer a limpeza total da casa e, claro que as ameaçaram...Nada foi dito à Direção da Escola.

Outras colegas, no meio das praxes, perderam-se...Chegaram como boas alunas de secundário e...deixaram-se levar pela necessidade de serem aceites! Voltaram para casa no fim do 1º ano, sem qualquer aproveitamento escolar...

Não me senti uma privilegiada nas praxes mas fui preparada de casa. Fui advertida pelos meus pais da pressão que os alunos mais velhos poderiam exercer...Tive isso sempre em mente.

Nesses primeiros dias, os caloiros precisavam de realizar um teste-diagnóstico a Inglês, para os professores saberem em que nível nos integrar (Básico, Intermédio, Pós-Intermédio). A única coisa estúpida que fiz foi acreditar nos veteranos que nos lavavam o cérebro com: Vocês falhem de propósito o diagnóstico, mesmo que saibam se não vocês vêem-se aflitos para passar aquela me***! Acreditem, logo eu que adoooro inglês...errei tanta coisinha simples: how old are you?; I'm portuguese...outras ía acertando. Conclusão: Fui chamada ao gabinete das professoras de Inglês, não sabiam onde haviam de me integrar...Tive que apresentar a minha média de 16 val. trazida do secundário!

Praxes
FONTE: http://deltasigmapifraternity.files.wordpress.com
Sabem que mais? No meu 3º ano (aos 20 anos) (já dever ter percebido que sou beeeeemmm pré-Bolonha), fiz parte da Comissão de Praxe e se pensam que fiz aos caloiros o mesmo que me fizeram, desenganem-se! Tentei sempre ser a Veterana 'Amiga'...mas nem todos os veteranos tiveram o mesmo comportamento...alguns fizeram aos caloiros bem pior do que tinham passado...e alguns nem passaram nada porque nem praxados foram (entraram na 2ª fase).

Nos EUA a praxe é designada por 'hazing', esta palavra tem uma conotação demasiado negativa e de facto, basta fazer uma pesquisa para ver algumas das fotos mais revoltantes...

Não sou a favor dos abusos sejam de que forma forem, não sou a favor da promoção do medo e da insegurança, não sou a favor da estupidifcação de alguns actos, não sou a favor de simulações de cariz sexual...Isso não- isso não é nada!

Ainda vejo a Praxe como um processo de integração. Creio que o que talvez falte a muito boa gente, sejam  caloiros ou veteranos, é educação, estabilidade emocional e algum auto-conhecimento pessoal, daqueles que só uma Família pode dar!

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